a família é uma coisa lixada. pode ser grande, pode ser pequena, podemos estar com eles sempre, podemos passar anos sem vê-los, mas familia é familia.
hoje, pelas 7.30m da manhã, fui acordada por um telefonema, daqueles que, pela hora de chamada, suspeitamos sempre ser o pior. e foi.
morreu uma tia-avó.
uma tia-avó é daqueles membros da familia que, de tão longe que está, só nos lembramos dos chocolates que nos davam em pequenos, daqueles trazidos de Badajoz quando iam às feiras espanholas. mas esta tia-avó, para além dos chocolates espanhóis e das bombocas que me dava às escondidas dos meus pais, foi também quem me ajudou a criar.
como eu fui a primeira filha, a primeira neta, e a primeira sobrinha-neta, tinha tudo ali de mão beijada. ora eram os mimos, ora eram as guloseimas à queima-roupa, ora eram o ir buscar-me ao colégio e levar-me a passear nos jardins da Gulbenkian, ora era tudo, básicamente.
esta tia era governanta numa casa de gente bem, ali para os lados da Filipe Folke (google map it, pliss!). viveu e trabalhou naquela casa durante 60 anos. para o fim, já eram só ela e uma das "meninas", vulgo solteirona com 94 anos. as duas, já meias taralhocas e refilonas, vivam como iguais, no casarão da Filipe Folke, e faziam tudo juntas. um dia, à "menina", já depois de muitas quedas e trambolhos, deu-lhe um piri-paque e foi parar ao hospital. daí ao lar foi um pulo, e a minha tia viu-se sozinha.
vai que mamãe resolve ir buscá-la para a trazer para a insularidade, mas a velhota era fiel aos costumes, e não quis deixar a patroa. ficaria com ela no lar. a realidade, no entanto, não era tão simples. o lar, para as bandas da Fontes Pereira de Melo, era caro e a outra, ou a procuradora da outra, não achou que deveria pagar a hospedagem da servente. à tia tiraram-lhe o chão. depois de 60 anos de dedicação, de amizade e companheirismo, conclui que uma criada é sempre uma criada. à tia não lhe sobrava mais nada.
a tia começou a mirrar, e em 5 dias, a tia desistiu.
a tia-avó, que há muito não a via, mas que me ajudou a criar, que me levava a passear, que me fazia croquetes com puré, e que me sentava num escadote - porque eu era mínima e cabia entre os degraus- para me dar o lanche; a tia que me chamava de "esmeralda pequenina", essa tia que só queria que a fossemos ver mais vezes, essa tia morreu de tristeza, porque a única amiga que tinha, era afinal, só a sua patroa.
hoje morreu-se de tristeza, e eu faço-lhe o devido luto.
1 comentário:
.....no words.....
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