28 de março de 2013

não os sei, e sei-os bem

escrevinhar o momento. é das coisas mais dificeis, ouvir o que a alma nos diz e colocar de imediato em palavras escritas, em palavras vistas.

a conversa com o Eu é rápida, antevem-se as respostas, concordam-se com as evidências. foi-se. esqueceu-se o que foi agora mesmo ouvido, lá dentro e baixinho.

...não fui a tempo de as anotar.

tenho restos de conversas soltas, um aqui e ali de bocados de pensamentos (que boiam lentos...). era colá-los a todos e ver o que dali saíria - amálgamas de gargalhadas, lágrimas e gritos...uma mixórdia sem nexo.

gostava de me poder ouvir em silêncio... um dia. e anotar tudo e de um tudo, para quando for velhinha reler e perceber se por aqui vivi, ou por aqui andei...

17 de março de 2013

Francisca


Foram 15 anos.

Não se escrevem obituários para animais. Não é costume, não é hábito. Não é normal. Escrevem-se para humanos, para familiares, para amigos e conhecidos, para amores nunca mais esquecidos.

Escreve-se pela saudade, escreve-se pela falta, pelo desgosto e pelo consolo de ver lido o que a dor consome cá dentro. Encontra-se conforto na partilha daquela emoção que achamos só nossa, sem igual. Porque só nós sofremos. A dor é egoísta.

Eu quero escrever pela minha amiga, que é uma gata, que foi uma constante na minha vida. A única constante. E baralho-me nos tempos verbais, porque foi, e já não é mais. Porque é, nas memórias que andarão sempre comigo.

A Francisca morreu. O cancro, e a velhice que a enfraqueceu, roubaram da minha vida a minha companheira de 15 anos. Conheceu-me as tristezas, as alegrias, os bons e os maus momentos, e com a fidelidade de um cão, lambia-me as lágrimas e ronronava-me baixinho aos ouvidos. Viu nascer o meu filho, e foi guardiã dos seus sonos. Cheirava a pó de talco, caminhava com confiança, tinha mau feitio, mas doce para quem gostava. O meu filho chamava-a de irmã, porque eu lhe dizia que ela era a minha mais velha.

Veio comigo de Lisboa para a insularidade, de ilha em ilha, foi e regressou comigo. Habituou-se às mudanças, porque me tinha por perto, e eu sentia-me segura, porque ela era a minha referência de vida independente.

Ontem foi descansar. Cansada do cancro que a derrotou, fui encontrar a Francisca à chuva, isolada. Agachada, e de olhar baço, deixou-me pegá-la e aceitou o colo  - ela não era de meiguices, nem de ronhas melosas. Encostou o focinho ao meu rosto e lambeu-me as lágrimas. Ficámos sentadas as duas, abraçadas. Ela sabia, e eu também, que tinha chegado a hora de dizermos adeus.

Acompanhei-a até ao fim, e enquanto o coraçãozito dela ia parando. E depois mais nada.

Dizem que é a decisão mais correta, o mais humano, de terminar a dor, de dar descanso. É também a mais dificil, porque a dor é egoista.

A Francisca era uma gata, mas era também a minha melhor amiga.